Eu gosto de estudar.
Não formalmente, seguindo um padrão rígido de currículo que me obriga a aprender coisas em que eu não sou muito boa. Acho que ninguém gosta. Mas é importante. Aprender coisas em que não somos muito bons faz com que aprendamos a ser menos piores em coisas que não sabemos.
Sempre fui uma aluna de boas notas e hoje tenho um doutorado para chamar de meu. Ascendi na pirâmide acadêmica e só parei de subir porque preciso trabalhar muito para recuperar todo o investimento financeiro que fiz.
Já o investimento humano, o que ganhei intelectualmente e espiritualmente com o doutorado… esse eu não só já recuperei quanto estou lucrando com ele há anos.
Tudo bem, meu doutorado foi em Direito e aqui eu falo de escrita. Então, vamos falar de escrita, mas do aprender na escrita. Do estudar na escrita. Do saber fazer melhor as coisas que já sabemos e aprendermos as que não entendemos bem.
Alguns anos atrás, eu disse a um amigo: não gosto de estudar técnica. Ela me engessa. Esse amigo, que sempre foi luz na minha trajetória da escrita (e acho que nunca disse isso diretamente para ele), deve ter rido de mim. Internamente. Porque eu estava muito enganada e só provei para ele que não sabia o que era técnica.
Naquela época eu estava saindo da fase um da minha trajetória: deixando de escrever fanfics para publicar minha primeira trilogia de fantasia. Minha escrita era puramente intuitiva, vinha de dentro como uma onda de vômito incontrolável. As palavras eram regurgitadas e tomavam forma no papel quase como mágica.
Eu fazia sem ter a menor ideia do que estava fazendo, apenas porque ficava bonito daquele jeito.
Hoje, quinze anos depois, eu diria para a Tatiana de 2010 “pare de falar bobagem e vá estudar”.
A técnica não engessa, ela não destrói a sua arte nem perturba sua imaginação. Estudar teoria literária e estrutura não é coisa de intelectuais eruditos nem sinônimo de arrogância. Saber fazer melhor é, e deveria sempre ser, o objetivo de qualquer um em uma profissão, principalmente se trabalhamos com algo que amamos.
Arte se estuda, se aprende. Talento se aprimora. O estudo da arte de escrever representa a evolução do que a minha “eu escritora” tanto deseja: contar histórias melhores, cada vez melhores.
Afinal, um trabalho artístico jamais chega ao fim. Ele é sempre um processo dinâmico e o escritor, um ser em construção, que evolui e involui, se transforma e se reforma continuamente. Não existe escritor acabado, nem entre os mais consagrados, e há inúmeras evidências disso na literatura.
Noemi Jaffe - Escrita em movimento
Foi quando parei de me achar acabada que comecei a estudar, e foi estudando técnica, estrutura, construção de personagens, como dar forma às palavras e como provocar a minha criatividade, que minha carreira de escritora começou — e eu descobri o que estrutura era e por que ela não me engessava.
E você pretende nos contar o que é essa estrutura que você está falando até agora?
Sim, eu vou. Usarei as palavras de uma das minhas autoras preferidas do tema, o livro que revisito quotidianamente quando mergulho em um novo projeto.
1. A estrutura cria uma fundação para o enredo que espelha o arco da transformação psicológica. Ela garante que a história contém todas as peças requeridas para fazer sentido enquanto elimina a tentação de ser redundante.
Sabem quando vocês leem aquele livro e pensam: tem coisa demais? Ou, ao contrário, tem coisa faltando? Quando parece que os personagens não foram tão bem desenvolvidos quando deveriam, ou quando um protagonista parece dizer sempre a mesma coisa e não evolui?
Pois é disso que estamos falando.
2. A estrutura cria ritmo. Os pontos de enredo padrão dividem a história em oito partes (idealmente) iguais. Embora o ritmo estrutural seja enfatizado ao longo desta série1, o mais importante é entender que ele existe para criar o ritmo, que por sua vez existe para controlar a experiência do público com a história — para mantê-lo engajado e envolvido em cada momento.
Sabem quando a história começa maravilhosa e de repente se torna um marasmo sem fim? Você sente vontade de abandonar o livro ou acredita que a autora “se perdeu”? Ou quando começa uma enrolação terrível em que nada acontece só para depois mil eventos se sucederem em poucos capítulos e você fica com a sensação de que a autora distribuiu mal o tempo do livro?
É disso que estamos falando, agora.
Nem sempre nós entendemos que falta estrutura — ou falta estudo sobre estrutura, mas sabemos que falta algo. A história é boa, mas não foi bem contada. Os personagens têm potencial, mas se perderam em algum momento da trajetória ou não evoluíram nada até o fim. O fim foi corrido. O meio, lento demais. O começou não começava nunca e, de repente, eu estava no meio de uma história que não sabia do que se tratava.
Essas sensações de falta, de que algo pode melhorar, representam a nossa percepção da falta de estrutura. Contamos histórias desde que existimos na Terra — as pessoas gostam de contar e de ouvir histórias. A estrutura de uma história não é algo que construímos ou inventamos, ela é o produto da observação do “contar histórias” ao longo de séculos.
A narrativa tem uma forma. Ela domina a maneira como todas as histórias são contadas e pode ser rastreada não apenas até o Renascimento, mas também aos primórdios da palavra registrada. É uma estrutura que absorvemos avidamente, seja em formato de cinema de arte ou de aeroporto, e é uma forma que pode ser – embora devamos ter cuidado – um arquétipo universal.
John Yorke - Into the Woods
Aprender técnica é importante até para podermos saber quando não empregar a técnica. Nem tudo é estrutura, nem tudo é cronograma, nem tudo é roteiro — mas só saberemos isso quando entendermos todos esses conceitos.
Deixarei aqui a recomendação de três livros que considero essenciais para toda autora de romance estudar sobre estrutura:
Romancing the Beat, Gwen Hayes: Divide a narrativa romântica em 4 partes e 12 “batidas” emocionais obrigatórias para qualquer romance que deseja agradar leitores do gênero.
Into the Woods, John Yorke: Ele mostra como todas as histórias, desde a antiguidade até hoje, seguem um padrão universal — e faz isso com base em dramaturgia, psicologia e narrativa mitológica.
Structure Your Novel, K. M. Weiland: Oferece explicações claras, esquemas estruturais e exemplos práticos — é quase um curso básico de estrutura narrativa em forma de livro.
Se você quer começar devagar, degustando estrutura, sem gastar nenhum centavo, pode assinar a newsletter e visitar o site da K. M. Weiland, o Helping Writers Become Authors.
E, se você conhece autores nacionais que tratam da estrutura como esses aí em cima e que devem estar na biblioteca de qualquer autora que pretenda escrever cada vez melhor, deixe uma dica nos comentários!
Beijo e até semana que vem.
Essas definições foram tiradas do blog Helping Writers Become Authors, da K M Weiland, e ela tem várias séries de posts sobre diversos assuntos. Aqui o link: https://www.helpingwritersbecomeauthors.com/story-structure-intro/
Tatiana, Que delicia ler algo que casa exatamente com o momento que estou refletindo sobre os romances. Assim como você também sou professora, entretanto não desejo ser escritora e sim entender cada vez mais sobre estrutura de romances, para no meu caso "aproveitar melhor a viagem". O que mais achei incrivel, é que no nesse seu canal, imagino que são mais leitoras que escritoras que te leem, e essa sua fala veio no sentido de nos educarmos, de nos esclarecermos e por fim nos libertar. Sou uma leitora critica, que cada livro lido é além da história, um grande quebra cabeça, que só consigo aproveitar se tudo se encaixa, escrutura e ritmo (Técnicas) que deixam a história a ser contata chegar nos corações das suas leitora. É importante que nos dias de hoje com tantas e tantas aberrações ditas literarias, que as leitoras saibam minimamente reconhecer e por que não, saber separar o joio do trigo. Obrigada. Adorei a bibliografia que você citou.