Olá, colegas da escrita! Hoje começam as nossas newsletters datadas. Dia 10, dia de falar de escrita. Como estamos começando do começo, escolhi falar sobre pessoas em narrativa e começarei pela preferida das autoras romances contemporâneos no Brasil, a primeira.
Não sei por que isso acontece - essa preferência. Suspeito que seja porque romances são sobre pessoas e sentimentos, sobre relações interpessoais, e a primeira pessoa permita um aprofundamento maior nas emoções dos personagens. Se bem executada, a primeira pessoa conecta profundamente a leitora com os protagonistas e isso é exatamente o que se deseja quando se lê romances.
Então vamos lá.
Em primeiro lugar (sem qualquer trocadilho aqui!), a narrativa em primeira, segunda ou terceira pessoas referem-se ao ponto de vista (PDV), ou point of view (POV) em inglês. Ponto de vista é, basicamente,
o termo usado por escritores para a perspectiva pela qual cada um conta a sua história. (The Write Practice).
Para Jerry Jenkins, o PDV representa duas coisas importantes na história: a voz que o autor escolhe para contar a história e a quem pertence essa voz.
Aqui falaremos da escolha pelo PDV em primeira pessoa, ou seja, o ponto de vista que estabelece como voz narrativa a de um personagem - o seu personagem principal. O site Masterclass entende que uma das maiores vantagens em se utilizar a narrativa em primeira pessoa está na de colocar a leitora e a narradora em contato direto, produzindo intimidade entre elas.
Outras vantagens elencadas pelo site para a primeira pessoa são:
Cria laços emocionais com a leitora;
Faz com que a narradora e a leitora pareçam estar engajadas em uma conversa durante a narrativa;
É mais subjetiva e, por isso, nos faz compreender melhor o personagem-narrador;
Torna a narrativa pouco confiável, focando nas respostas emocionais do personagem-narrador para cada evento.
Jenkins recomenda que escritoras iniciantes utilizem a primeira pessoa porque ela é mais limitada (ao ponto de vista de apenas um personagem) e, com isso, acaba se tornando menos complexa.
Não sei, viu? A complexidade de sentimentos e emoções de um personagem pode deixar a primeira pessoa bem difícil de se executar.
Essa limitação (da narrativa) precisa ser vista com cuidado. Se a escritora se decide pela primeira pessoa, deve compreender que ela reduz significativamente a percepção dos eventos ao que pode aquela determinada personagem ter ciência.
Sua narradora precisa estar em toda e cada cena, e você não pode incluir detalhes que ela não saiba. Cada evento na história é apresentado pelo olhar da narradora e interpretado apenas por sua compreensão dos fatos. (Writer's Edit)
Um erro comum, porém evitável, é inserir na narrativa em primeira pessoa percepções oniscientes, que uma personagem específica não poderia saber, como o sentimento de outra personagem ou um evento que aconteceu em um lugar fora daquele onde a cena se desenrola.
Assim como não cabe na primeira pessoa a descrição de alguns maneirismos que nós temos, mas não percebemos. Se não percebemos, não estaremos alertas sobre eles quando narramos, não é mesmo? O ideal é que, como temos dois protagonistas em romances, um descreva o outro. Quem está narrando não deve descrever a si.
É possível ampliar o universo da narrativa utilizando-se de vários pontos de vista - de personagens diferentes - durante a construção da história, porém isso não deve ser feito de qualquer jeito. Se a escritora precisa variar de personagem o tempo todo para que a história seja contada, talvez a escolha da narrativa esteja equivocada e seja mais recomendada a terceira pessoa onisciente.
Não se recomenda variar de ponto de vista dentro de uma mesma cena. Tem que rejeite a variação de PDV em um mesmo livro, mas sabemos que, em romances, muitas leitoras preferem uma narrativa alternada entre mocinho e mocinha.
Eu costumo variar eventualmente a narrativa quando estou produzindo histórias em primeira pessoa, mas, por regra, mantenho cada capítulo dentro de um ponto de vista exclusivo.
Outra questão relevante para a narrativa em primeira pessoa está em se estabelecer um tempo verbal para que a história seja contada. Passado ou presente? Não existe uma melhor escolha desde que a escritora decida-se por um deles e mantenha-se nele até o final do livro. A narrativa não pode variar entre tempos no presente e passado pois isso representa uma falha de estrutura.
Em Paixão em Jogo, um de meus romances contemporâneos, optei pela narrativa em primeira pessoa no presente:
Ele me ignora. Continua segurando minhas mãos. O estádio está parado. A câmera nos focaliza, mas não há som. Estamos de novo no telão, mas por outras razões. O árbitro apita e diz que vai reiniciar a partida, só que os jogadores também estão paralisados.
Meus amigos sensatos me colocam no prumo até o final da manhã. É domingo, mas Liam me liga dizendo que não poderá me pegar cedo.
Vejam que todos os verbos indicam uma ação que está acontecendo, e durante todo o livro, que é narrado preferencialmente pelo PDV da mocinha (Brenda), as ações acontecem no tempo presente.
Já em Jogos de Adultos (primeira versão) optei pela primeira pessoa no passado:
Segurei a mão esquerda de James e olhei as horas em seu relógio de pulso. Passavam das vinte e trinta e sim, meu estômago roncava. Ele se levantou e me segurou pela mão, levando-me com ele até o andar de baixo.
Não foi o sol que me acordou no dia seguinte, mas o bafo quente de Roscoe. O cão estava com as duas patas apoiadas no colchão, me encarando com a língua para fora, aparentemente cansado.
A decisão não importou para a qualidade da narrativa, porém, uma vez tomada, eu, como autora, devo me manter no tempo verbal escolhido.
Nem todo mundo, no entanto, concorda com a decisão pela primeira pessoa. Alexander Steele entende que ela está superestimada e utilizada em excesso e que as autoras deveriam parar de usar a primeira pessoa. Para ele, por mais proximidade que este ponto de vista proporcione entre leitoras e personagens, a narrativa em terceira pessoa fornece mais amplitude e liberdade para a história.
Contem para mim: vocês gostam de livros narrados na primeira pessoa? Por quê?
gosto sem duvida de histórias na primeira pessoa por serem mais próximas dos personagens, com um tom mais intimista, como você mesma citou no seu artigo. Mas minha preferencia é ler histórias narradas em terceira pessoa. Um bom narrador onipresente, para mim, traz um diferencial nas histórias. Mas isso você já sabe. E você em qual pessoa prefere escrever?